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    Justiça do Trabalho

    Discriminação começa com pedido de "boa aparência" em anúncio, diz procuradora

    Veja entrevista com a procuradora-geral do Trabalho no Paraná

    RG

    Rogerio Galindo

    29 de agosto de 2025

    Discriminação começa com pedido de "boa aparência" em anúncio, diz procuradora

    A procuradora-geral do Ministério Público do Trabalho no Paraná, Patrícia Blanc Gaidex, diz que a proteção dos funcionários exige, entre outras coisas, evitar discriminações por aparências. Recém-empossada no cargo, ela fala sobre o que os chefes podem e não podem fazer nas suas empresas. Veja a conversa.

    Temos visto um número grande de condenações de empresas por assédio aos funcionários por questões comportamentais (tatuagem, cabelo pintado etc). Existe uma tendência de reprimir cada vez mais essa interferência indevida na vida pessoal do trabalhador?

    Essas condenações decorrem de ofensa aos direitos de personalidade, mais especificamente aos direitos de intimidade e privacidade.

    A discriminação compreende toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.

    Não se pode discriminar um(a) trabalhador(a) ou candidato(a) a emprego em função da sua aparência, a não ser nas profissões em que se justifique esse critério de seleção, considerando a própria natureza do trabalho. Ainda assim, tem havido uma análise crítica quanto a esse critério de seleção, haja vista a disseminação da diversidade e da inclusão de todo(a)s, não se justificando nenhuma intolerância ou discriminação em razão da aparência. Portanto, cada vez mais deve-se questionar eventuais critérios de seleção em razão do trabalho a ser desempenhado.

    A discriminação por padrão estético ocorre, em muitos casos, nos anúncios de emprego quando estes exigem características estéticas do(a)s candidato(s), como “boa aparência”. Esse tipo de anúncio configura uma forma de distinção que altera a igualdade de oportunidade de emprego.

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    Assim como em relação a outros direitos de personalidade, o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho objetivam afastar e/ou reprimir ofensas à privacidade e a intimidade do trabalhador, seja por meio de Inquéritos Civis ou Ações Judiciais, com o cumprimento de obrigações de fazer/não fazer e condenações pecuniárias.

    Empresas como Uber e outras que não contratam diretamente o trabalhador têm se recusado a assumir vínculos e obrigações trabalhistas. Como a Justiça do Trabalho vê isso e como tem atuado em julgamentos do gênero?

    O trabalho realizado por meio de plataformas digitais ou aplicativos consiste em uma das mais marcantes transformações envolvendo o mundo do trabalho. Há inúmeras denominações para caracterizar esse fenômeno: economia de bico (gig economy), economia de compartilhamento (sharing economy), economia colaborativa, economia sob demanda, uberização, capitalismo de plataforma, entre outras.

    Por meio de algoritmos e metadados, as plataformas digitais e aplicativos conduzem a adoção de comportamentos pelo(a)s trabalhadore(a)s, visando potencializar os retornos econômicos das empresas. Nesse novo regime, a partir de algoritmos, metadados, estipulação de regras e comandos pré-ordenados, ao(à) trabalhador(a) é incumbida a obrigação de reagir em tempo real aos sinais que lhes são emitidos para realizar objetivos assinalados pelos programas.

    Sob a premissa da subordinação, a(o)s trabalhadore(a)s não se exige seguirem ordens diretas de um(a) superior(a) hierárquico(a) pessoa física, mas sim as “regras do programa”. Os algoritmos garantem que os resultados finais esperados sejam alcançados sem a necessidade de dar ordens pessoais e diretas àquele(a)s que realizam o trabalho.

    Neste novo regime, também se identifica confusão entre as esferas profissional e particular, obscurecendo, também, as fronteiras entre o emprego em tempo integral e trabalho casual, entre trabalho dependente e independente e entre trabalho e lazer.

    O Ministério Público do Trabalho busca combater fraudes na relação de emprego que são implementadas mediante a utilização de plataformas digitais ou aplicativos.

    Quando caracterizada a irregularidade, o MPT objetiva sanar a fraude e demonstrar a caracterização do vínculo empregatício, via Inquérito Civil ou Ação Civil Pública, já existindo diversas investigações e ações judiciais quanto ao tema.

    Na Justiça do Trabalho há decisões favoráveis à caracterização do vínculo de emprego nesses casos. Especificamente quanto à empresa Uber do Brasil Tecnologia Ltda, há atualmente no STF o Tema 1291 (RE 1446336), ainda pendente de julgamento. Referido Recurso Extraordinário discute, à luz dos artigos 1º, IV, 5º, II, XIII, e 170, IV, da Constituição Federal, a possibilidade do reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa criadora e administradora da plataforma digital intermediadora.

    ⁠Também temos visto uma maior proteção de pessoas vulneráveis (grávidas, mulheres em geral, deficientes). Pode se dizer que seja uma tendência da Justiça do Trabalho hoje?

    O Ministério Público do Trabalho atua em defesa da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. No seu campo de atuação (relacionado ao Direito do Trabalho), o MPT busca impedir/afastar ofensas aos direitos de mulheres, gestantes e pessoas com deficiência, dentre outros grupos que podem ser atingidos por irregularidades trabalhistas.

    Em geral, as condutas discriminatórias ligadas ao gênero ocorrem em desfavor das mulheres. A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso I, assegura a homens e mulheres igualdade em direitos e obrigações, e o art. 7º, inciso XX, garante “proteção ao mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”, admitindo prática discriminatória positiva (ação afirmativa) a favor da mulher.

    A proteção da gestante nas relações de trabalho é consequência direta da proteção da mulher no mercado de trabalho, conforme exposto no parágrafo anterior. Além disso, a legislação busca proteger o nascituro, bem como a trabalhadora em licença maternidade e a criança.  

    Por sua vez, as pessoas com deficiência têm seus direitos assegurados em diversos textos do ordenamento jurídico (ex: Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU; Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão - LBI).

    A Lei nº 13.146/2015 dispõe no art. 5º que “a pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante”. O seu art. 34 estatui que “a pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. São disposições claras, peremptórias, com vistas a garantir às pessoas com deficiência condições de liberdade e autonomia, em igualdade com as demais pessoas.

    O Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho objetivam afastar e/ou reprimir ofensas aos direitos trabalhistas de mulheres, gestantes, deficientes, dentre outros grupos protegidos pela Constituição Federal e legislação infraconstitucional.